ISENÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA: A AJUDA QUE ESCONDE A ENGANAÇÃO

por Frodo

Lula sancionou a isenção do imposto de renda (IR) para quem ganha até R$5mil mensais e desconto para quem ganha daí até R$7.350. Essa medida foi aprovada por unanimidade no Congresso. O custeio da medida será feito com a cobrança de IR sobre quem possui renda a partir de R$50mil por mês, incluindo, agora, distribuição de lucros e dividendos, que não eram taxados.

O presidente chegou a afirmar em discurso que a elite brasileira acumula privilégios, que é vergonhoso essas pessoas pagarem menos impostos que os trabalhadores e que a nova lei ataca os privilégios de uma elite financeira. “Justiça tributária” é o lema tão repetido pelo governo.

A quantidade de pessoas que vai ser beneficiada é bastante grande, sem dúvidas. A desigualdade tributária no país é sim indignante. Mas será que toda essa campanha do governo é realmente “justa”?

Qual é a carga de impostos paga no Brasil?

Há uma lenda de que a carga tributária brasileira é a maior do mundo. Não é bem isso: comparando com outros países, em especial países ricos, não estamos tão no topo da tabela assim, além de estarmos na mesma média de diversos outros países.

Um dos problemas que temos no Brasil é que, diante do poder aquisitivo da maioria da população, acaba sendo sim uma carga importante, por volta de 33% do PIB. Esse patamar foi alcançado graças ao aumento vertiginoso em dois períodos:

1) na ditadura foi da faixa dos 16% para a faixa dos 25% de 1964 a 1970; e

2) nos governos de FHC, entre 1996 e 2002, quando subiu do patamar de 25% para os entornos dos 33%, permanecendo nessa média até os dias de hoje.

Importante ressaltar que as máximas históricas se deram com Bolsonaro (33,9% em 2021 e 33,7% em 2022) e com Lula (33,6% em 2006 e em 2008). Este fato já traz indícios de que em termos de impostos não existe diferença qualitativa entre as políticas desses dois setores.

Quem é que paga os impostos no Brasil?

Só que neste país há outro problema, ainda maior: quem paga esses impostos? Primeira informação importante: distribuição de lucros e dividendos estão completamente isentos de imposto de renda desde 1996. Já os nossos salários nunca tiveram essa mamata.

Em outras palavras: todos os governos e legislaturas do Congresso Nacional de 1996 até 2025 permitiram que se taxasse a renda de quem vive do suor do próprio trabalho (salário) enquanto isentaram a renda de quem vive do trabalho alheio (lucros). Além disso, o que se cobra de imposto sobre a propriedade é irrisório no montante total (apesar de o IPTU ser um peso na renda das famílias trabalhadoras).

Assim, comparando com outros países, temos uma distorção importante: estamos acima da média em termos de trabalhador pagar imposto sobre sua renda e abaixo da média em termos de patrão pagar imposto sobre suas rendas e propriedades.

A segunda informação importante é: no Brasil o grosso do recolhimento de impostos é em cima do consumo, bem acima da média internacional. O problema disso é que os bens e serviços são consumidos por toda a população, e a maioria dela é a classe trabalhadora.

Isso gera uma distorção em relação à renda das pessoas: se o imposto de um saco de arroz é o mesmo para um trabalhador ou para um patrão, isso significa que, em relação ao que ganha no mês, o trabalhador está pagando um percentual maior de imposto do que o patrão.

O resultado é que o sistema tributário brasileiro é regressivo, ou seja: quem ganha mais paga menos, quem ganha menos paga mais. Esta é mais uma das tantas desigualdades sociais existentes no país, e sobre a qual os governos e o Congresso poderiam atuar de maneira direta. Não fazem porque não querem.

Mas agora em 2025 resolveram fazer. E aprovaram por unanimidade. Fizeram o certo?

A tabela do IR

A última atualização da tabela do IR de acordo com a inflação foi feita em 1996. De lá pra cá a defasagem cresceu ano a ano. Até 2024 o acúmulo dessa defasagem ultrapassou 154% segundo cálculos tanto do Sindifisco (Sindicato dos Fiscais da Receita Federal) quanto do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

O que isso significa? Significa que, caso houvesse uma atualização da tabela desses quase 30 anos, a situação seria diferente. Vejamos as tabelas abaixo: a primeira é a que será utilizada na próxima declaração de imposto de renda, em 2026, com base na renda recebida em 2025. A segunda é como seria essa tabela caso houvesse a correção.

Por aí já vemos o tamanho da necessidade de se corrigir de fato a tabela do IR: muita gente que hoje cai na alíquota de 27,5% já era pra ser isento faz tempo. Porém não é isso que a lei recém aprovada vai fazer.

Como fica com essa nova lei aprovada em 2025?

A partir de 2026, com reflexo na declaração de imposto de renda a ser feita em 2027, o que haverá é uma isenção para quem ganha até R$5mil mensais e também um desconto para quem ganhar de R$5.001 a R$7.350. Enquanto isso, no topo da pirâmide, haverá cobrança de IR para quem tem altas rendas. Não há correção na tabela do imposto.

Vejamos primeiro como fica para quem é assalariado. A isenção aprovada é um alívio pra muita gente, sem dúvidas. Mas lembremos de algumas coisas. Atualmente a maioria da classe trabalhadora recebe até 2 salários mínimos, segundo dados do Censo 2022 do IBGE, ou seja, já tem isenção do imposto de renda. Ou seja: os verdadeiros beneficiados pela nova isenção são quem recebe de R$3.036 até R$5mil.

No entanto, isso ainda fica abaixo do que seria a faixa de isenção se atualizassem a tabela. A atualização levaria a isenção a todo mundo que ganhasse até R$5.753,43.

Agora vamos ao caso de quem vai receber o desconto. Peguemos o exemplo de alguém que tenha salário bruto de R$7mil. Com a nova lei essa pessoa vai ter uma economia anual de R$621,18 no IR em relação à tabela atual, o que significa pouco mais de 8,8% de um salário mensal seu. “Melhor que nada”, muitos vão dizer, considerando que o imposto efetivamente pago vai cair de 11,42% para 10,75% dos seus ganhos anuais.

Porém o que não é dito é que, caso houvesse a atualização da tabela, essa mesma pessoa economizaria mais de R$9.400 no ano, ou seja, seria como receber mais um salário e uma férias! O imposto efetivamente pago seria de 1,34%!

O governo alega que não teria como fazer a atualização porque a diminuição na arrecadação seria muito grande, de mais de R$100bilhões. Enquanto que a lei aprovada implica numa arrecadação menor na faixa dos R$25bilhões. Para cobrir isso vão taxar “os mais ricos”. Vejamos como vai ficar essa taxação:

Ou seja: quem ganha a partir de R$50mil por mês vai apenas começar a ter alguma incidência de imposto de renda sobre seus ganhos (para além dos salários, que seguem a mesma tabela que já existe). Até chegar em quem ganha R$100mil mensais, que atinge a alíquota máxima de 10%.

Como se vê, o imposto a ser pago por essas pessoas em cima da sua renda que não vem de salário, ou seja, não vem do seu trabalho, ainda vai ser menor que o pago por quem trabalha e vive de salário. Tem alguma justiça tributária sendo feita?

Por que eles não corrigem a tabela? Por que eles não taxam os patrões no mínimo como fazem outros países?

Uma lorota que se ouviu bastante nos últimos meses foi de que se taxasse os ricos eles tirariam o dinheiro do país. Mas na verdade isso só aconteceria se quisessem ser ainda mais taxados, considerando que, como vimos, os países ricos têm taxação sobre renda mais alta que por aqui. Sem falar que para fugir por completo dos tributos brasileiros teriam que fugir também dos altos lucros que extraem de nós brasileiros. Aí eles não querem!

Então fazer uma estrutura tributária que fosse fortemente progressiva, ou seja, onde quanto mais se ganha muito mais se paga, não seria um problema tão grande quanto muitos defensores de rico alegam. Esse seria um caminho para corrigir a tabela ou até avançar ainda mais na redução da desigualdade tributária brasileira.

Só que optaram por não fazer isso. E ainda comemoraram essa lei com argumentos que enganam a classe trabalhadora.

Por que fizeram assim?

Vivemos numa sociedade capitalista. A regra do jogo é feita para os patrões obterem o maior lucro possível em cima do nosso trabalho no menor tempo possível. Os governos (poder executivo), os parlamentares (poder legislativo) e os juízes (poder judiciário) existem justamente para garantir o funcionamento dessa lógica, também empurrando os gastos com essa máquina para a classe trabalhadora.

Em algumas situações pontuais eles até podem fazer alguma concessão, caso sintam necessidade. E este foi o caso: Lula falou dessa isenção na última campanha eleitoral e já está se movendo para a próxima campanha. O mesmo faz o Congresso: visando os votos ano que vem vão medindo o que pode diminuir sua rejeição diante do eleitorado, que é composto majoritariamente por quem trabalha.

Por isso fizeram uma melhoria que vai beneficiar uma parcela da classe trabalhadora, mas fizeram de maneira que prejudique pouco quem ganha mais de R$50mil por mês. E o problema mesmo, a verdadeira injustiça que é a tributação no Brasil, mais uma vez, segue sem solução.

Aliás, pode até ser pior no médio prazo: conforme forem avançando a inflação e os salários (mesmo sabendo que ela sobe bem mais que o nosso poder de compra), menos pessoas vão ter esse benefício. E como aprovaram essa lei agora, todo debate sobre correção da tabela é empurrado pra debaixo do tapete, como se as coisas já estivessem resolvidas.

Por que pagamos para sustentar a máquina estatal?

A maioria das pessoas quando ouve falar em Estado pensa nos serviços públicos e nos políticos. Obviamente isso é parte, mas não é o principal. O Estado é um conjunto de instituições (os poderes executivo, legislativo e judiciário, bem como as polícias, as forças armadas, as prisões – quando não estão privatizadas) que existe para garantir o domínio da burguesia.

Como se garante esse domínio? Em primeiro lugar são as ideologias, em especial aquelas que nos ensinam que “tudo sempre foi assim, tudo vai ser sempre assim”. A dureza da vida, as dificuldades para sobreviver e sustentar a si e suas famílias pressiona a classe trabalhadora. As ideologias justificam que as coisas sejam assim e que não haveria nada a ser feito. Enganação total.

Em segundo lugar vem as leis: não pode mudar porque a lei não deixa. Ou seja: a burguesia, através dos políticos que a representam, inventa as formas como a sociedade deve funcionar, garantindo o seu domínio total sobre tudo.

E em terceiro o principal: o que acontece quando as pessoas passam por cima das ideologias e atropelam as leis que não favorecem? Vem a repressão! Em última instância é o principal recurso para manter a ordem social atual, na qual a gente trabalha e eles dominam. No fim das contas o Estado é a organização em armas da classe dominante.

Todos os governos, desde a extrema-direita até aqueles que se dizem “de esquerda”, “progressistas” etc., governam para manter o capitalismo de pé. Seja em países com pesadas ditaduras, seja naqueles com mais liberdades democráticas, são apenas formas distintas de garantir esse domínio.

Como sustentar toda essa estrutura? Via impostos! É isso mesmo: além de enriquecer os nossos patrões, nós ainda financiamos também o controle deles sobre nós.

Qual é o tamanho do problema dos impostos na nossa vida?

Neste texto nos dedicamos a analisar apenas o problema do imposto de renda e os impostos em geral. Muito se reclama todos os dias sobre como isso é um peso para nós classe trabalhadora. E realmente é.

No entanto não é nem de perto o principal meio por onde a burguesia suga a gente. É apenas a via mais aparente e para a qual se costuma chamar mais a atenção. É importante conhecermos por onde nos atacam, para podermos nos defender e contra-atacar. Veja este gráfico:

Como se pode ver, ao considerar a riqueza produzida pela classe trabalhadora a partir de seu trabalho nos 200 maiores grupos econômicos que operam no Brasil (independente de seu país de origem), a exploração é enorme. Essas empresas juntas controlam mais de 60% do PIB brasileiro, o que significa quase o dobro da arrecadação da União.

Menos de 25% da riqueza produzida volta aos produtores (trabalhadoras e trabalhadores). Os outros mais de 75% são tomados pelos patrões. A partir daí eles distribuem com os demais setores da burguesia. Notadamente: o Estado e os bancos.

É essa rede de interesses burgueses que faz com que o que nós produzimos não esteja a serviço das nossas necessidades. No fim das contas é por tudo isso que a vida do povo trabalhador é tão dura e tão limitada: somos a classe explorada nesta sociedade.

Não é um problema de falta de riquezas, falta de produtos ou falta de dinheiro. Pelo contrário: vivemos num mundo de excessos, só que o grosso dos frutos do nosso trabalho está a serviço de manter as coisas como estão, o domínio de todos eles, a vida boa de todos eles e manter este sistema de pé.

Saída de fato só é possível se toda essa produção servisse para atender as necessidades humanas da maioria da população. Isso exige que a classe produtora dessas riquezas seja também a classe possuidora delas.

Essa forma de organização da sociedade onde os produtores também são coletivamente donos tem um nome: é o socialismo. É onde o poder está nas mãos da classe trabalhadora, que o toma numa revolução, destrói o Estado burguês, constitui o seu Estado operário e o controla.

Será o Estado da maioria, agindo para reprimir a burguesia da mesma forma como ela nos reprime hoje. Agindo para terminar de tomar de volta todas as riquezas que eles nos tomam a vida toda, para ter condições de apoiar as revoluções em outros países, reorganizar a sociedade mundialmente e chegar à sociedade sem classes e sem Estado, que é o comunismo.

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