por Frodo
O principal debate do país nas últimas semanas era da taxação dos EUA sobre os produtos fabricados no Brasil e exportados para lá. De um lado as iniciativas da família Bolsonaro e seus aliados incentivando Trump nesse ataque. De outro as respostas do governo Lula (PT), falando em soberania e ao mesmo tempo buscando negociar com o presidente estadunidense.
Porém na última semana a chacina promovida por Cláudio Castro (PL) no Rio de Janeiro tomou os noticiários. Mais uma vez a polarização política se impôs: de um lado defensores escancarados do aumento da repressão estatal, de outro ditos defensores da “democracia”.
Nós opinamos que esses dois fatos da realidade – taxação e chacina – estão muito interligados. Não só por ocorrerem simultaneamente e ambos gerarem mais polarização política.
O nível de violência existente no país contra a classe trabalhadora e os mais pobres tem tudo a ver com o nível de submissão do Brasil aos interesses imperialistas. E essa polarização política não aponta para nenhuma saída para nós classe trabalhadora.
A Submissão Histórica do País
A invasão destas terras pelos portugueses em 1500 era o início da criação de um país completamente dominado pelos interesses do exterior. A monarquia portuguesa estabelecia mais uma colônia que serviria para abastecer o mercantilismo europeu, base do surgimento do capitalismo por lá. E que tinha como grande beneficiária a Inglaterra, potência dominante naquele momento.
A escravização indígena, a extração de pau-brasil, a escravização de africanos, o cultivo de cana de açúcar, do café, o fim da escravidão, o início do emprego de mão de obra assalariada, a industrialização e até os dias de hoje. Toda a história brasileira, dirigida pelas classes dominantes de fora ou locais, esteve a serviço de manter o país sob domínio dos interesses das potências estrangeiras.
A economia brasileira hoje continua seguindo a mesma lógica: domínio total das empresas multinacionais. Segundo dados do Banco Central compilados pelo ILAESE referentes ao ano de 2022, de todo o capital investido acumulado no país apenas 4,41% são nacionais. Uma queda de quase 44% desde 2010.
Isso significa que não só as remessas de lucros vão para as matrizes. Na verdade, todo esse capital é de propriedade estrangeira: desde os prédios e as máquinas até as riquezas naturais e o trabalho executado. Aliás, inclusive os salários pagos à classe trabalhadora brasileira por essas empresas. Ao serem majoritariamente consumidos na compra de mercadorias para seu consumo, esse dinheiro volta para as mesmas empresas.
Vemos assim que o Brasil tem dono, e não é o Brasil. São quase 29% dos capitais em terras brasileiras de propriedade estadunidense. Some-se a isso 6% espanhóis, 5,5% ingleses, mais 5,5% franceses, 4,6% chineses…
Com uma situação dessa não há como se falar em soberania. Todas as decisões econômicas acabam sempre sendo tomadas tendo em vista o benefício desse capital. Até porque, dentro da lógica capitalista, de fato o país depende desses capitais.
Mas a coisa é ainda pior: mesmo as empresas brasileiras, como a Petrobras, a Embraer ou o Banco do Brasil, possuem grande parte de suas ações em mãos de capitais estrangeiros. No fim das contas o domínio da economia nacional é ainda maior.
Voltando a nossa atenção às finanças “públicas” (estatais), o cenário não é diferente: entra governo sai governo e os planos econômicos visam manter o mecanismo da dívida pública. Capitais que não encontram meios de serem aplicados para gerar retorno produtivo são direcionados para a compra de títulos da dívida.
A arrecadação de impostos e a política econômica sobre o que fazer com eles gira sempre em torno de remunerar esses capitais “mortos”. Eles não trazem nenhuma contrapartida para a população, não é uma dívida como a de um trabalhador que se endivida na compra um carro ou uma casa. É puro dreno de recursos, sobretudo no Brasil, cuja taxa básica de juros é sempre alta, justamente para remunerar tais capitais.
Esse mecanismo mostra bem como o Estado, diferente do que muita gente pensa, divulga e defende, não é neutro. No capitalismo o Estado é burguês, está sempre a serviço de ajudar o capital a manter sua dominação. Neste caso garantindo a rentabilidade de seus donos, que são majoritariamente estrangeiros.
Tudo isso acontece no Brasil: país de dimensões continentais, com a 7ª maior população e 10ª maior economia no mundo, com a maior economia e a maior produção industrial da América Latina. País onde 70% das pessoas recebem até dois salários-mínimos (metade delas recebe até um salário-mínimo), ao mesmo tempo que a renda dos mais ricos segue crescendo.
Quem Defende a Soberania Brasileira?
Essa história nos traz aos dias atuais e à política de taxações de Trump. Praticamente todos os países do mundo tiveram as exportações aos EUA taxadas por ele. Ele possui objetivos econômicos, como o aumento da arrecadação de impostos e a tentativa de forçar empresas a fechar suas unidades em outros países para (re)abrir por lá.
No entanto há também objetivos políticos. Trump é a representação mais explícita da dominação imperialista a qualquer custo sobre todo o mundo. Não só através do domínio dos capitais, mas também interferindo mais diretamente, ferindo a soberania dos países. Índia comprando petróleo russo foi motivo de mais taxas. Governador de um estado canadense criticou as tarifas? Mais taxas sobre o Canadá!
Em relação ao Brasil essa ingerência também foi declarada: na visão dele as instituições do Estado brasileiro estariam perseguindo Bolsonaro, seu aliado declarado na extrema direita. A taxação diferenciada sobre o Brasil ocorreu poucos meses depois de uma declaração que não deixa dúvidas sobre suas intenções: o Secretário de Defesa dos EUA fez pronunciamento no qual citou Trump ao dizer que a América Latina seria o “quintal” deles.
Muito se falou sobre a postura do governo Lula, como pretensamente sendo um combatente contra a ingerência imperialista sobre o país. Porém, apesar do discurso contra a subordinação, não houve nenhuma medida concreta. E ainda há a aposta numa negociação na qual devem ser apresentadas mais concessões por parte do Brasil.
Estão colocados como possibilidades para tal negociação: aumento de dois terços no comércio bilateral (o qual já é favorável aos EUA); compras de aeronaves e talvez de materiais militares; colaboração em energia, que pode envolver minerais críticos (as tão faladas terras raras, necessárias para produtos de alta tecnologia) e até propriedade intelectual (patentes); etc.
Em outras palavras: não é uma negociação entre um imperialista e um anti-imperialista, mas sim entre um imperialista e um governo tão submisso quanto os demais. Governo este que, em sendo representante da burguesia nacional (covarde e entreguista), busca manter a relação de dominação dos EUA. Se é verdade que é completamente falso o “patriotismo” da extrema-direita bolsonarista, não é menos falsa a defesa da soberania por parte do governo Lula.
Mas como é possível manter esse alto nível de exploração e desigualdade no país, que inclusive seguem aumentando? A burguesia investe muito no domínio ideológico, mas no Brasil a violência cumpre um papel especial.
O Histórico de Violência da Classe Dominante Brasileira
Muito se fala sobre a passividade do povo brasileiro, uma população que teria em seu DNA a cordialidade e a aceitação. Mas essa ideologia está a serviço de esconder a verdadeira história do Brasil.
Os diversos povos originários que viviam por aqui quando da chegada dos portugueses se levantaram diversas vezes contra a dominação: Guerra dos Tamoios, Guerra dos Aimoré, Guerra dos Potiguaras, Levante Tupinambá, Confederação dos Cariri, Rebelião de Mandu-Ladino, Guerra dos Manau, ataques dos Guaikuru, Guerrilha Mura, Guerra Guaranítica…
Houve também diversas outras revoltas protagonizadas pelos escravizados e outros setores sociais contra os poderes estabelecidos, como: Revolta dos Malês, Cabanagem, Balaiada, Quilombo dos Palmares, Conjuração Baiana, Inconfidência Mineira, Guerra dos Farrapos (Farroupilha), Sabinada, Guerra de Canudos, Revolta da Vacina, Revolta da Chibata…
Até chegarmos às lutas operárias e de outros setores no último século: a Greve Geral de 1917, a Greve dos 300 mil em 1953, a Greve Geral de 1962, as greves de 1968 e a passeata dos 100 mil no início da ditadura, as greves de 1978 a 1980 que minaram a ditadura, as passeatas pelas Diretas Já em 1983-1984, as manifestações pelo Fora Collor em 1992, as Jornadas de Junho de 2013…
Salvo exceções, a maioria desses eventos históricos teve duas características em comum: a tentativa de enfrentar os dominadores do país e a resposta repressora deles, muitas vezes cruel e covarde.
Os povos indígenas foram massacrados, tendo suas populações absurdamente reduzidas (ou dizimada em alguns casos). As organizações dos escravizados e seus aliados, como a dos Malês ou o Quilombo dos Palmares, também foram derrotadas de maneira sangrenta. Da mesma forma que Tiradentes e os inconfidentes em Minas Gerais ou Antônio Conselheiro em Canudos.
Apesar disso essas revoltas foram importantes para o desenvolvimento da história do país, muitas delas trazendo conquistas. A Revolta da Chibata, apesar da repressão, obrigou o Estado a eliminar os castigos físicos sobre os marinheiros, oriundos da classe trabalhadora, bem como se tornou um marco na luta contra o racismo. A Greve Geral de 1962 foi crucial para a criação do 13º salário. As greves de 78-80 foram cruciais para a derrubada da ditadura.
A Manutenção da Política de Violência Cotidiana
Esse histórico, que destacamos nos momentos de rebeliões populares, dá base a uma política cotidiana de repressão. Para manter o Brasil nesse nível de exploração – e inclusive ampliar a extração de nossas riquezas – é preciso derrotar as lutas e ao mesmo tempo manter um controle preventivo.
A situação de violência em geral, e nas periferias em particular, é parte do controle social sobre a classe trabalhadora e os setores mais pauperizados da população. Quando regiões inteiras se veem espremidas entre o tráfico, as milícias e as polícias, isso dificulta que haja uma rebelião social.
Os representantes mais barulhentos da burguesia nesse sentido são os setores mais à direita no espectro político. Desde as mídias mais sensacionalistas até chegar nos defensores abertos da política do “bandido bom é bandido morto” (que consideram “bandidos” toda a juventude negra nas periferias presa e morta todos os anos), todos aplaudem o governador Cláudio Castro e sua “operação”, que foi a maior chacina do país.
Todos esses veem aquela ação como exemplo e querem mais. Estão usando o fato como meio de tentar se reorganizar diante da desagregação da família Bolsonaro e a iminente prisão do ex-presidente.
A medida do governador do Rio de Janeiro teve também esse viés eleitoreiro, além de servir de autoproteção: o próprio Cláudio Castro está sendo julgado por abuso de poder político e econômico na sua reeleição, podendo perder o mandato.
Já do lado da esquerda da ordem, ligada ao PT e demais partidos governistas, os discursos se colocaram majoritariamente contra Castro. Mas a prática desses setores não os autoriza saírem como alternativa à matança promovida nas favelas cariocas.
Já no primeiro governo Lula ele enviou o exército brasileiro para o Haiti a pedido do então presidente americano George Bush. Como os EUA estavam com suas forças militares todas dedicadas à invasão do Afeganistão e do Iraque eles não tinham condições de reprimir as rebeliões haitianas. Papel vergonhoso esse cumprido justamente pelo governo petista.
Tão vergonhoso quanto a elaboração e aprovação da Lei de Drogas de 2006. Ela não só não serviu para combater o tráfico, como ainda foi responsável por aumentar enormemente a população carcerária no país. Quem é essa população? Majoritariamente jovens pobres negros, os mesmos que engrossam as estatísticas da mortalidade violenta no país, seja pelo crime ou pela polícia. Mais uma vez o controle social sobre as periferias.
A repressão do governo Dilma sobre as greves nas obras do PAC em 2011-2012, sobre as manifestações de junho de 2013, sobre as manifestações contra a Copa de 2014 e a criação da lei antiterrorismo em 2016 também são parte dessa política mais geral.
Destaquemos também a violência na Bahia. Governado desde 2006 pelo PT, o estado está em segundo lugar nos rankings do Anuário da Segurança Pública, tanto na violência em geral como na letalidade policial. Justo o estado mais negro do país.
Nada disso tem a ver com características individuais, com erros ou desvios de tal ou qual governo. Essa é a maneira pela qual a burguesia brasileira busca manter a “ordem” no país. Independente do governo, todos eles assumem o comando do Estado e agem para mantê-lo intacto, ou seja, manter a repressão em dia – os serviços públicos são adicionais que podem ou não existir. Isso é necessário para manter também intactos os negócios da burguesia mundial feitos por aqui.
O Brasil é um país extremamente importante para a manutenção da ordem capitalista na América Latina. Se tem um país que pode gerar um desequilíbrio importante no continente é justamente o Brasil. Por isso fazem todos os esforços possíveis para manter o controle sobre nós. Não é à toa que o tema do tráfico e da violência nas cidades é também tão presente no México e na Colômbia, pois são outros países chave para a dominação dos EUA sobre as Américas.
A Tarefa do Operariado e da Classe Trabalhadora em Geral
As inúmeras necessidades que temos em nossas vidas, desde o mais básico, como moradia, saúde e alimentação, até os direitos ao descanso e ao lazer, são permanentemente negados e atacados. Como vimos, essa negação está intimamente relacionada com a manutenção dos lucros imperialistas, interesses opostos às mais básicas necessidades humanas.
Isso significa que devemos lidar com o alto controle social exercido pela burguesia e seus agentes e superá-lo se queremos nos libertar dessa realidade tão exploradora e opressora.
Para isso é preciso ir ganhando a classe trabalhadora para a compreensão de que não é possível confiar em nenhum outro setor social para essa tarefa, a não ser em si própria centralmente e em seus aliados populares.
Ao mesmo tempo não basta a unidade dos explorados e oprimidos: é preciso que essa massa social se mova de acordo com um programa revolucionário, ou seja, uma visão da realidade e um conjunto de propostas que aponte para uma mudança revolucionária da sociedade.
Esse programa deve ter, além da total independência de classe já citada, uma característica de forte anti-imperialismo. Mas não da boca pra fora como fazem os políticos tradicionais, que na prática são pró-imperialistas, mantém a mesma estrutura social. Aqui estão Lula e Bolsonaro, mesmo com todas as diferenças que possuem entre si na forma de agir em prol dessa manutenção do status quo.
Ser anti-imperialista de verdade significa defender e aplicar medidas que realmente ataquem a propriedade imperialista. A expropriação desses grandes grupos econômicos, tomando para nós a propriedade que, apesar de legalmente ser deles, foi construída por nós. A ruptura com o mecanismo da dívida pública, deixando de apertar a população mais pobre e dependente dos serviços públicos para remunerar esses capitais parasitas.
Tomar para nós a posse dessas riquezas e dos meios através dos quais se produzem essas riquezas (as fábricas, as minas, os canteiros de obras, as máquinas, os latifúndios…) é o que pode permitir que elas realmente sejam empregadas para satisfazer as nossas necessidades.
Para garantir essa posse construiremos outro Estado, um Estado Operário, sobre os escombros do Estado burguês. Passaremos a ter coletivamente o monopólio da violência contra a burguesia e suas tentativas de recuperar seu poder. O nome disso é socialismo.
E o meio para chegar aí é uma revolução: um processo de luta e enfrentamento contra os governos de plantão, contra o regime em vigor (que é a democracia burguesa, uma democracia dos ricos, no caso do Brasil de hoje) e contra as instituições do Estado. Não há caminho por dentro do sistema capitalista, por dentro de seu Estado, pelas suas instituições, pelas eleições etc.
Tal processo não será fácil. Vencer esse nível de repressão que vimos aplicar a burguesia brasileira é um passo necessário. Ao mesmo tempo só se poderá acabar de vez com tanta violência se efetuamos essa mudança social radical, das bases sociais que geram essa violência.
E que exigirá também a combinação com a revolução em outros países. Tanto porque a repressão também virá de fora, quanto porque a economia hoje é mais mundializada do que nunca na história da humanidade. Os feitos atuais do ser humano, a ciência, a tecnologia e a produtividade do trabalho só são possíveis nos níveis atuais porque são fruto de mobilizar trabalho humano aos milhões mundo afora.
É para contribuir com essa árdua tarefa em nosso país que construímos a Voz Operária Socialista (VOS): para disputar a classe trabalhadora, e o operariado em especial, para esse programa; contra todos os outros caminhos apontados por organizações que, de uma forma ou de outra, levam à conciliação com a burguesia e a manutenção do capitalismo.
Somos também parte da Corrente Operária Revolucionária Internacional – Quarta Internacional (CORI-QI), por entender que a vitória definitiva exige que esse processo se dê de maneira combinada internacionalmente.
Venha conhecer mais sobre o que pensamos e propomos para a nossa classe! Venha se organizar conosco!

